“They say you fly when you die”
Partindo da premissa do Livro Tibetano dos Mortos de que, ao morrermos, nossa alma voa sobre a Terra e revive “em loop” a própria vida, num ciclo sem fim que só é quebrado ao reencarnarmos, o filme Enter the Void, de Gaspar Noé, não se parece com nada que já tenha sido produzido no cinema.
Oscar (Nathaniel Brown), traficante, e Linda (Paz de la Huerta), stripper, são irmãos órfãos americanos que vivem no submundo neón das ruas de Tóquio. Oscar está lendo o Livro Tibetano dos Mortos, que seu amigo Alex o emprestou.
Assassinado pela polícia, Oscar sai de cena. Sua alma, exatamente como lhe foi dito pelo amigo, sai de seu corpo e segue uma jornada entre presente e passado por toda a sua história de vida, numa Tóquio que se alterna entre a cidade real e uma maquete.
Essa dicotomia entre o que é real e o que é ilusão permeia todo o filme. Seja pelo efeito das drogas (DMT e ecstasy) ou da morte, temos a impressão de vagarmos por realidades e estados de percepção diferentes da que estamos acostumados. Por vezes a distorção da lente e os movimentos circulares da câmera nos dão a impressão de estarmos dentro de uma gravura de Escher, certamente uma referência para o diretor ao criar essa atmosfera nauseante e confusa.
A perspectiva é sempre a dos olhos de Oscar, seja sobrevoando a cidade ou observando a si mesmo quando ainda era vivo (a câmera aí se posiciona por trás dos ombros do ator). Já quando ele observa seus amigos, a câmera encontra-se acima de todos, como se ele sobrevoasse o ambiente.
A timeline do filme é completamente irregular, alternando passado e presente o tempo todo. Inconstância, aliás, pode ser o sobrenome do filme. Nada é por muito tempo. Apesar da ênfase à estética de “Enter the Void”, o filme é, sem dúvida, de fundo psicológico.
O complexo de Édipo e a evidente tensão sexual entre os irmãos, questões altamente ‘freudianas’, são temas presentes por toda a história. Inúmeras referências podem ser encontradas ao longo do filme, que usa os temas da morte e da reencarnação para falar da dor da separação (lembre-se disso quando vir a última cena do filme).
Paz de la Huerta está maravilhosa no papel da maliciosamente ingênua Linda, assim como Nathaniel com seu inconsequente e pervertido Oscar.
Não posso terminar esse post sem falar da trilha perturbadora criada pelo Thomas Bangalter, do Daft Punk. Realista e onipresente, como a própria visão de Oscar, ela se funde ao que estamos vendo, complementando as imagens e o impacto que causam sobre nós. É para ‘chocar’, e cumpre com esse objetivo.
Na cena em que Oscar é baleado pela polícia podemos ouvir seu coração batendo cada vez mais devagar, até que cessa por completo.
Enter the void É um filme que jamais esquecerei. Por vezes fiquei inquieta, tonta, e até cansada, mas não consegui parar de assistir. Confesso que o revi no dia seguinte para tentar descobrir se gostei. O filme ainda não foi lançado no Brasil, apesar de já ter sido selecionado para festivais como o de Cannes, Toronto e Sundance.
*Artigo postado por Marcela Moura no Cinecittà (Molotov Cultural) em 25/04/2011
Partindo da premissa do Livro Tibetano dos Mortos de que, ao morrermos, nossa alma voa sobre a Terra e revive “em loop” a própria vida, num ciclo sem fim que só é quebrado ao reencarnarmos, o filme Enter the Void, de Gaspar Noé, não se parece com nada que já tenha sido produzido no cinema.
Oscar (Nathaniel Brown), traficante, e Linda (Paz de la Huerta), stripper, são irmãos órfãos americanos que vivem no submundo neón das ruas de Tóquio. Oscar está lendo o Livro Tibetano dos Mortos, que seu amigo Alex o emprestou.
Assassinado pela polícia, Oscar sai de cena. Sua alma, exatamente como lhe foi dito pelo amigo, sai de seu corpo e segue uma jornada entre presente e passado por toda a sua história de vida, numa Tóquio que se alterna entre a cidade real e uma maquete.
Essa dicotomia entre o que é real e o que é ilusão permeia todo o filme. Seja pelo efeito das drogas (DMT e ecstasy) ou da morte, temos a impressão de vagarmos por realidades e estados de percepção diferentes da que estamos acostumados. Por vezes a distorção da lente e os movimentos circulares da câmera nos dão a impressão de estarmos dentro de uma gravura de Escher, certamente uma referência para o diretor ao criar essa atmosfera nauseante e confusa.
A perspectiva é sempre a dos olhos de Oscar, seja sobrevoando a cidade ou observando a si mesmo quando ainda era vivo (a câmera aí se posiciona por trás dos ombros do ator). Já quando ele observa seus amigos, a câmera encontra-se acima de todos, como se ele sobrevoasse o ambiente.
A timeline do filme é completamente irregular, alternando passado e presente o tempo todo. Inconstância, aliás, pode ser o sobrenome do filme. Nada é por muito tempo. Apesar da ênfase à estética de “Enter the Void”, o filme é, sem dúvida, de fundo psicológico.
O complexo de Édipo e a evidente tensão sexual entre os irmãos, questões altamente ‘freudianas’, são temas presentes por toda a história. Inúmeras referências podem ser encontradas ao longo do filme, que usa os temas da morte e da reencarnação para falar da dor da separação (lembre-se disso quando vir a última cena do filme).
Paz de la Huerta está maravilhosa no papel da maliciosamente ingênua Linda, assim como Nathaniel com seu inconsequente e pervertido Oscar.
Não posso terminar esse post sem falar da trilha perturbadora criada pelo Thomas Bangalter, do Daft Punk. Realista e onipresente, como a própria visão de Oscar, ela se funde ao que estamos vendo, complementando as imagens e o impacto que causam sobre nós. É para ‘chocar’, e cumpre com esse objetivo.
Na cena em que Oscar é baleado pela polícia podemos ouvir seu coração batendo cada vez mais devagar, até que cessa por completo.
Enter the void É um filme que jamais esquecerei. Por vezes fiquei inquieta, tonta, e até cansada, mas não consegui parar de assistir. Confesso que o revi no dia seguinte para tentar descobrir se gostei. O filme ainda não foi lançado no Brasil, apesar de já ter sido selecionado para festivais como o de Cannes, Toronto e Sundance.
*Artigo postado por Marcela Moura no Cinecittà (Molotov Cultural) em 25/04/2011
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