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domingo, 25 de março de 2012

Da importância da trilha musical no Cinema

“They say you fly when you die”
Partindo da premissa do Livro Tibetano dos Mortos de que, ao morrermos, nossa alma voa sobre a Terra e revive “em loop” a própria vida, num ciclo sem fim que só é quebrado ao reencarnarmos, o filme Enter the Void, de Gaspar Noé, não se parece com nada que já tenha sido produzido no cinema.
Oscar (Nathaniel Brown), traficante, e Linda (Paz de la Huerta), stripper, são irmãos órfãos americanos que vivem no submundo neón das ruas de Tóquio. Oscar está lendo o Livro Tibetano dos Mortos, que seu amigo Alex o emprestou.
Assassinado pela polícia, Oscar sai de cena. Sua alma, exatamente como lhe foi dito pelo amigo, sai de seu corpo e segue uma jornada entre presente e passado por toda a sua história de vida, numa Tóquio que se alterna entre a cidade real e uma maquete.
Essa dicotomia entre o que é real e o que é ilusão permeia todo o filme. Seja pelo efeito das drogas (DMT e ecstasy) ou da morte, temos a impressão de vagarmos por realidades e estados de percepção diferentes da que estamos acostumados. Por vezes a distorção da lente e os movimentos circulares da câmera nos dão a impressão de estarmos dentro de uma gravura de Escher, certamente uma  referência para o diretor ao criar essa atmosfera nauseante e confusa.
A perspectiva é sempre a dos olhos de Oscar, seja sobrevoando a cidade ou observando a si mesmo quando ainda era vivo (a câmera aí se posiciona por trás dos ombros do ator). Já quando ele observa seus amigos, a câmera encontra-se acima de todos, como se ele sobrevoasse o ambiente.
A timeline do filme é completamente irregular, alternando passado e presente o tempo todo. Inconstância, aliás, pode ser o sobrenome do filme. Nada é por muito tempo. Apesar da ênfase à estética de “Enter the Void”, o filme é, sem dúvida, de fundo psicológico.
O complexo de Édipo e a evidente tensão sexual entre os irmãos, questões altamente ‘freudianas’, são temas presentes por toda a história. Inúmeras referências podem ser encontradas ao longo do filme, que usa os temas da morte e da reencarnação para falar da dor da separação (lembre-se  disso quando vir a última cena do filme).
Paz de la Huerta está maravilhosa no papel da maliciosamente ingênua Linda, assim como Nathaniel com seu inconsequente e pervertido Oscar.
Não posso terminar esse post sem falar da trilha perturbadora criada pelo Thomas Bangalter, do Daft Punk. Realista e onipresente, como a própria visão de Oscar, ela se funde ao que estamos vendo, complementando as imagens e o impacto que causam sobre nós. É para ‘chocar’, e cumpre com esse objetivo.
Na cena em que Oscar é baleado pela polícia podemos ouvir seu coração batendo cada vez mais devagar, até que cessa por completo.
Enter the void É um filme que jamais esquecerei. Por vezes fiquei inquieta, tonta, e até cansada, mas não consegui parar de assistir. Confesso que o revi no dia seguinte para tentar descobrir se gostei. O filme ainda não foi lançado no Brasil, apesar de já ter sido selecionado para festivais como o de Cannes, Toronto e Sundance.

*Artigo postado por Marcela Moura no Cinecittà (Molotov Cultural) em 25/04/2011

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